De onde vem nossa linguagem
Nós seres humanos somos um animal bastante peculiar. Modificamos o ambiente de forma descomunal, construímos edifícios com muito mais que cem metros, estradas que atravessam continentes e veículos automatizados capazes de fazer esses trajetos. Criamos a internet, que compila não só quase todo o conhecimento já produzido, mas também as mentiras e os vídeos engraçados de gatinhos. Mas como chegamos a esse ponto de desenvolvimento tecnológico? Muito possivelmente porque somos animais sociais que possuem habilidade de cooperar em grupos com quantidades exorbitantes de pessoas, saindo da nossa pequena bolha de amigos e familiares e expandindo até o nível mundial. Isso é possível porque possuímos uma capacidade quase infinita de comunicação, que é proporcionada pela nossa linguagem.
Muitas pessoas podem acabar interpretando de forma equivocada os pensamentos de linguistas importantes e influentes, e acreditar que a bases para a nossa linguagem de forma súbita. Porém, se dermos uma olhadinha na Teoria da Seleção Natural de Darwin, vamos acabar encontrando algumas incongruências.
De acordo com a Teoria da Seleção Natural, as mudanças acontecem através de pequenos incrementos e não de grandes saltos. Portanto, falar que a linguagem surgiu de forma súbita, acaba soando de forma quase que milagrosa! Uma outra hipótese mais consistente com a seleção natural, é que a linguagem se desenvolveu através de capacidades cognitivas preexistentes e herdadas dos nossos ancestrais não humanos.
Um dos aspectos mais importantes da linguagem é que ela permite a comunicação sobre o que não está presente, compartilhamento de memórias, planos e idéias. Por causa disso, a viagem no tempo mental, que é a capacidade de reviver mentalmente eventos passados e imaginar possíveis eventos futuros, é tido como uma dos fatores críticos que podem ter levado ao desenvolvimento da linguagem.
Essa capacidade de viajar mentalmente no tempo ocorre nos humanos graças a uma região do cérebro chamado hipocampo. O hipocampo agrega informações detalhadas de outras regiões do cérebro para a reconstrução de eventos passados e futuros. Se a viagem no tempo mental é realmente exclusiva da nossa espécie, isso pode explicar por que a própria linguagem está confinada aos seres humanos. Entretanto, estudos recentes mostram que animais não-humanos também possuem a capacidade de viajar no tempo mentalmente.
Um estudo em específico sugere que o hipocampo de ratos desempenha um papel semelhante ao desempenhado por humanos nas viagens no tempo mental. Através da implantação de eletrodos que registram a atividade elétrica no cérebro de alguns ratos, eles perceberam que regiões do hipocampo que são ativadas quando o animal se encontra em um labirinto também se estimulam quando ele se encontra fora desse tipo de ambiente, dormindo ou acordado e imóvel. Essas observações podem ser interpretadas como a representação de experiências anteriormente vividas pelo animal no labirinto, sugerindo que ele está viajando mentalmente no tempo, revivendo momentos e planejando ações futuras.
Essa capacidade de pensar sobre o não-presente já foi observada também em outros animais. Em Aphelocoma californica, uma espécie de corvo, foi identificada a capacidade de se planejar futuramente, armazenando alimentos com base não apenas no seu nível de fome atual, mas também na quantidade de alimento que eles esperam encontrar durante a semana. Foi demonstrado também que chimpanzés selecionam ferramentas para uso futuro. Em um zoológico até se observou que alguns desses animais coletavam e escondiam pedras para jogar futuramente nos visitantes!
Esses experimentos e observações demonstram que sim, diversos outros grupos de animais também possuem a capacidade de viajar mentalmente pelo tempo, ainda que de forma limitada. Demonstram também que se é a habilidade de pensar sobre o passado e futuro um dos pilares que sustentam a linguagem, então as bases para a comunicação verbal têm raízes bem mais antigas à espécie humana, e evoluíram gradativamente através de capacidades cognitivas preexistentes. Será que então os seres humanos são animais tão peculiares quanto pensamos?
Autora:
Luiza Hubner
Referências:
CORBALLIS, Michael C.. Wandering tales: evolutionary origins of mental time travel and language. Frontiers In Psychology, [s.l.], v. 4, n. 485, p. 1-8, jul. 2013. Frontiers Media SA. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2013.00485.